Leituras


"O que me assombra na loucura é a distância - os loucos parecem eternos. Nem as pirâmides do Egito, as múmias milenares, o mausoléu mais gigantesco e antigo possuem a marca de eternidade que ostenta a loucura."

"Desde menina experimentei a sensação de que uma parede de vidro me separava das pessoas. Podia vê-las, tocá-las - mas não as sentia de fato."

Duas obras primas literárias marcaram meu fim de ano. Ou melhor, três, porque Maura Lopes Cançado escreveu dois livros, vendidos juntos em uma caixa: Hospício é Deus, sua autobiografia, e O Sofredor do Ver, um livro de contos. O romance Morra, amor, da escritora argentina Ariana Harwicz também fez parte do meu deleite estético literário.

Maura Lopes foi uma escritora reconhecida nos anos 50, considerada doente mental e internada repetidamente em manicômios diversos de MG e RJ. Talento inigualável nas letras, ela chegou a trabalhar como jornalista, mas infelizmente retornou com frequência aos manicômios, por vontade própria. Os dois livros que escreveu tratam da questão da loucura.
Sua autobiografia é um relato sobre a experiência dentro da instituição asilar, os métodos absurdos de tratamento, as relações com as outras pacientes, enfermeiras e médicos. O sofrimento de habitar um espaço de encarceramento é descrito sob uma ótica subjetiva, que é a da própria Maura. O Sofredor do Ver, seu outro livro, embora seja ficcional também parte de sua experiência pessoal com a família e com os manicômios. 

Os escritos de Maura impressionaram tanto que foram comparados à Clarice Lispector. A loucura e a insanidade, no entanto, são um tormento cujas palavras e frases não dão conta de redimir, como certa vez a própria Clarice Lispector mencionou. 
O que é a loucura afinal? Como deve ser o tratamento? Qual o papel das artes e da psicologia no acolhimento do sofrimento mental?



Morra, amor é um romance que aborda o tema das relações familiares, focando a personagem da mãe como centro da narrativa, sua dilacerante angústia existencial com a experiência da maternidade. Os conflitos de relacionamento com o marido, a permanente sensação de tédio e esvaziamento constituem a marca desta obra, escrita de maneira lírica, intensa, passional e ao mesmo tempo dolorosa. 
Quem de nós nunca sentiu o que sente esta mulher, um desespero contido que paralisa o corpo e a alma, por vezes levando a ofender e agredir outra pessoa?

"Com uma das mãos seguro meu nenê, com a outra a espátula. Com uma das mãos preparo a comida, com a outra me apunhalo. Que bom ter duas mãos!"

"Pouco importa que eu passasse a manhã inteira pensando em como traduzir meu estado de clausura. Pouco importa que caminhasse ao longo do rio seco e esverdeado percorrendo mentalmente mil palavras sem encontrar a correta." 

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