Relações familiares e afetividade



Na Roda de Diálogo sobre conflitos familiares, realizada na noite de 30/05 com mães, professoras e psicólogas, além de trocar e compartilhar experiências, contamos com a presença de obras importantes que guiaram nossa discussão. Conversamos com Winnicot, médico e psicanalista; com Nelson Rodrigues, um dos maiores dramaturgos brasileiros que escreveu sobre família; com Celeste NG, autora do romance Tudo o que nunca contei. 
Refletimos sobre o precioso livro Precisamos falar sobre o Kevin e sobre os documentários O Começo da Vida e Elena. Todas essas referências para abordar relações familiares, afetividade e educação para autonomia. Afinal, em um mundo tão acelerado, precisamos criar alguns espaços presenciais de partilha e conhecimento.

A literatura e o cinema nos apresentam imagens reveladoras sobre o funcionamento da instituição família. Em geral, temos uma visão idealizada do núcleo familiar, que não corresponde à realidade. Ao contrário desta visão, tão difundida em nossa sociedade, sabemos que as enfermidades e patologias mentais iniciam-se justamente no âmbito da família.

Através de Nelson Rodrigues temos a oportunidade de conhecer muitas das perversões possíveis de se desenvolverem na ordem das relações familiares. A obra deste escritor genial aborda desde abusos sexuais até incesto, estupro, violência doméstica e feminicídio. Na mesma linha, porém com estrutura literária diferente, Raduan Nassar, escritor brasileiro premiado, escreveu o também filmado Lavoura Arcaica, no qual conta a história de uma família extremamente conservadora e autoritária, cujos filhos adoecem e disso resulta uma enorme tragédia.

Tragédia também é o grande acontecimento do livro e do filme Precisamos falar sobre o Kevin. Qual o papel da ausência de afetividade  na vida de uma criança? O que pode ocorrer quando, nas relações familiares, não há qualquer indício de trocas afetivas significativas e construtivas? Essas são perguntas que tanto Precisamos falar sobre o Kevin quanto Receitas para se fazer um monstro, de Mário Rodrigues, nos interpelam. 

E o que pode levar ou contribuir para o suicídio de uma adolescente? Conforme já escrevi em outro texto, Tudo o que nunca contei, de Celeste NG, oferece-nos algumas pistas para esta questão. 

As obras mencionadas desmistificam uma certa visão idealizada de família. Isso não significa que não seja possível cultivar laços amorosos, ternos e de amparo no núcleo familiar. É justamente para que sejamos capazes de construir tais vínculos, com afetividade duradoura e saudável, que precisamos refletir e debater a insanidade e o sofrimento mental no interior dos grupos familiares.  

Faz-se necessário que comecemos a nos perguntar: qual o espaço de nossas vidas está sendo reservado para o exercício, a troca, a expressão e a comunicação da afetividade? Ou será que nem sabemos exatamente o que é isso, porque estamos condicionados a pensar apenas em nossas competências, em ganhar méritos e dinheiro para poder consumir e ter mais poder uns sobre os outros?

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