Um novo olhar para a infância
Um dos livros mais belos que já
li em toda a minha vida foi A Desumanização (2014), escrito por Valter Hugo Mãe,
grande autor português reconhecido internacionalmente. É a história de uma
menina de 11 anos que vive na Islândia e perdeu a irmã gêmea. Toda sua família
sofre com a morte desta criança, chamada Sigridur, “a criança plantada” que “não
podia voltar”. A narrativa do livro é tão épica quanto trágica e lírica,
encantando os leitores que amam poesia.
Halla, a irmã sobrevivente que conta
a história (o romance foi escrito em primeira pessoa), é a heroína deste mundo
desumano em que vivemos. Sua redenção, se é que existe, são as palavras, os
poemas do pai, os livros e a possibilidade de fugir do lugar onde vive.
O sofrimento e a solidão de Halla
nos toca profundamente, a menos que não sejamos mais humanos. Halla representa ao
mesmo tempo a dor da humanidade e a busca pela vida. Impossível não nos
identificarmos com essa magnífica personagem, impossível não pensarmos na
infância como um período trágico e no ser humano como um ser cruel.
Há décadas trabalhando e
acompanhado crianças, como terapeuta e educadora, de várias classes sociais, sinto-me
privilegiada por estar com elas. Infelizmente, o sofrimento que as oprime, em
geral não é considerado nem valorizado, a não ser sob a ótica da medicalização,
que visa rotulá-las para poupar os adultos de suas responsabilidades, além de
inflar os lucros da indústria farmacêutica.
Apesar disso, as crianças
resistem, rebelam-se, as vezes gritam e esperneiam, outrora se calam para dizer
o que precisam, como o menino Tochtli, personagem principal do livro de Juan Pablo
Villalobos, Festa no Covil (2010). Lembro-me da frase de uma menina de 9 anos, pronunciando-se
em segredo e em prantos: “os adultos pensam que ser criança é fácil, mas eles
não sabem como a gente sofre.”
Não sabemos, não queremos saber,
não lembramos de nossa própria infância? O que fizemos dela? É certo que cada
um de nós fez da infância e faz da vida adulta o que é possível, mas como seria
bom se fôssemos mais sensíveis à visão das crianças, às suas necessidades
afetivas e às suas ações! Seria ainda melhor se parássemos de idealizar essa
fase da vida e agíssemos de maneira mais adequada, permitindo que nossas crianças sejam apenas crianças.
Penso que assim seríamos
adultos muito mais humanos e teríamos crianças muito mais felizes.
Comentários
Postar um comentário