Gênero e sexualidade: a importância do conhecimento


Uma nova concepção sobre sexualidade e identidade de gênero vem se afirmando desde a segunda metade do século XX, provocando importantes revisões conceituais no campo da saúde e da educação. A partir dos anos 70, mais especificamente, entidades como Organização Mundial da Saúde – OMS, Associação Americana de Psiquiatria – APA, Conselho Federal de Medicina e Conselho Federal de Psicologia brasileiros, pressionados por movimentos sociais de direitos humanos, foram despatologizando a homossexualidade.
             Em 1973 a homossexualidade, que na ocasião era chamada de homossexualismo (o sufixo ismo indica doença), deixou de ser classificada como patologia pela APA e foi excluída do DSM. A OMS, em 1990, fez o mesmo. O Conselho Federal de Medicina, já em 1985, também estabeleceu que a homossexualidade e a bissexualidade não são doenças, diferentemente da transexualidade que ainda é considerada um transtorno de identidade, denominado disforia ou incongruência de gênero. Em junho de 2018, no entanto, a OMS publicou oficialmente a retirada da transexualidade da lista de transtornos mentais do CID-11, reclassificando-a como uma “condição relativa à saúde sexual”.
             Foi neste contexto de reformulações que o termo orientação sexual começou a ser utilizado, substituindo a ideia de opção por condição da sexualidade. Isto significa que o objeto de desejo sexual de um indivíduo não é uma opção, é uma condição humana, constituída por múltiplos fatores. Em função desta constatação, o Conselho Federal de Psicologia promulgou a Resolução 01/99, criando diretrizes para o atendimento psicológico das pessoas homossexuais. Fundamentado cientificamente, o CFP proibiu as terapias de reversão da sexualidade (conhecidas como cura gay), ajuizando-as como manifestação religiosa cuja intervenção promove ainda mais o sofrimento, a violência e o suicídio destes sujeitos.


Infelizmente, frente à visibilidade e representatividade que os grupos LGBTs conquistaram, o preconceito e a desinformação cresceram, provocando inclusive o aumento dos assassinatos de homossexuais e transexuais. Setores ultraconservadores da sociedade disseminam inverdades obscurantistas acerca do tema, propagando ódio e destruindo muito do conhecimento acumulado há quase dois séculos.
Uma das principais teorias sobre sexualidade infantil, por exemplo, foi criada por Sigmund Freud no início do século XX, causando certos escândalos que pareciam superados. Freud compreendeu que as crianças também possuem fontes de prazer erótico (não semelhante ao erotismo adulto) por determinação biológica, sendo que a primeira delas é a cavidade bucal, através da qual o bebê experimenta o mundo, suga e se alimenta.
Muitos outros autores e pesquisadores discutiram o desenvolvimento genético/psíquico do ser humano, produzindo o que até hoje tem sido legitimado como conhecimento científico na área. Tal conhecimento está sendo questionado por uma narrativa anticientífica denominada ideologia de gênero, que cultiva a ignorância, o fanatismo e o sofrimento mental. Carecendo de qualquer comprovação no campo das ciências, a falácia da ideologia de gênero gera desespero nos pais e professores, ao supor que o diálogo sobre sexualidade e diferenças de gênero, com crianças e adolescentes, irá induzi-los a tornar-se o que não são, transformando-os em homossexuais ou transgêneros. 
Como seria possível mudar a orientação sexual de alguém, tendo em vista que a construção da identidade e da sexualidade ocorre em fases precoces da infância, de maneira inconsciente? Obviamente que cada geração tem sua própria cultura e não há como negar que os jovens da sociedade contemporânea são muito mais abertos para novas experiências do que seus pais, em todos os sentidos. Porém, até mesmo por isso e pelo acesso à internet, aos abundantes dispositivos tecnológicos contendo mensagens que expõem o corpo e a sexualidade, para que sejam criadas condições emocionais e intelectuais de lidar com essas mensagens, faz-se necessário propiciar e garantir às crianças e aos adolescentes informação e conhecimento, ao invés de repressão e desqualificação.
Ademais, ao contrário do que afirma aqueles que acreditam na ideologia de gênero, diversas pesquisas revelam que quando os jovens têm informação adequada, iniciam a vida sexual mais tarde e se previnem melhor; quando uma criança conhece o seu próprio corpo, tem menos chance de sofrer abusos e violências, seja por familiares ou desconhecidos.
Portanto, caríssimos leitores, fiquemos atentos. É ainda a ciência, a sabedoria e o diálogo que conduz ao bom senso e à saúde física e mental.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Filme A Onda: Democracia x Autocracia

Experimento de Milgram, banalidade do mal e consciência

O Desafio da Convivência Familiar

Natal: a infância como um outro