Distopia: o Conto da Aia e Nosso Futuro


Muito tem sido escrito sobre a série The Handmaid's Tale, baseada no romance O Conto da Aia, de Margaret Atwood. Fiquei encantada com a qualidade artística da obra, incluindo roteiro, interpretação, direção, fotografia, trilha sonora. Não sou fã de séries, mas The Handmaid's Tale me cativou, embora seja de difícil digestão.

A segunda temporada já foi contemplada por muitos fãs e telespectadores, sendo que a terceira logo será lançada. Alguns afirmam que a série transformou-se numa espécie de "pornô de tortura misógina", posto que são muitas as cenas de flagelo para com as mulheres. O livro é também uma opção interessantíssima.




Refletir sobre esta obra é fundamental em um momento histórico como o nosso. No Conto da Aia, para quem não conhece, uma parte significativa dos EUA transformou-se em Gileade, sociedade governada por um Estado fundamentalista religioso totalitário, no qual parte das mulheres são escravas sexuais. A taxa de fertilidade encolheu demasiadamente e são pouquíssimas as mulheres férteis, estupradas por comandantes do país em rituais absurdos, com o objetivo de gerar filhos nas castas superiores. Trata-se de uma chocante distopia.

Não se pode ter relações sexuais a não ser para reprodução. Não se pode amar nem paquerar. O controle sobre o corpo e as ações de quase todas as mulheres, com exceção daquelas que fazem parte das classes dirigentes, é absoluto. Qualquer distração leva à morte, tendo em vista que a vigilância militarizada é permanente. 

Os homens que discordam do sistema também são mortos em rituais macabros. Não há qualquer chance de sobrevivência fora da ordem totalitária. As cenas de violência são inúmeras, mas consistentes e reveladoras, a meu ver. 

O que ocorreu no passado para que uma distopia de tamanha proporção se tornasse realidade? Em flashback, vamos sendo informados sobre isso. Tal sociedade fundamentalista totalitária já existiu? Podemos pensar em momentos históricos do Ocidente ou no atual funcionamento das sociedades islâmicas, nas quais as mulheres são legalmente mortas por estudarem ou por se apaixonarem.

E a pergunta mais importante: há condições de que algo parecido aconteça por aqui? A própria escritora e também a produtora/protagonista (Elisabeth Moss) da série afirmaram, em entrevistas, que uma das intenções da obra é denunciar esta possibilidade. Ou seja, assinalar e desvelar os riscos que estamos presenciando no sentido de que a sociedade em que vivemos se transforme em um sistema totalitário. Sinais desse autoritarismo exacerbado podem ser percebidos em inúmeras situações e pronunciamentos de autoridades. Pior: boa parte da população, no Brasil, nos EUA e na Europa, não sabemos se devido à ignorância ou a interesses, aprovam governos e instituições autoritárias.

Sinais de desespero, tristeza e terror, principalmente das mulheres, também crescem dia-a-dia frente à possibilidade da instauração de novas ordens totalitárias. Acompanho crianças e adolescentes muito críticos, quase em estado de pânico devido ao cenário político brasileiro, no qual um dos candidatos a presidente da república, com chances de ganhar a eleição, se pronuncia de forma preconceituosa, racista, misógina e homofóbica, sem qualquer pudor. Meninas de 7 anos de idade estão falando sobre o assunto, indignadas, preocupadas e aflitas.

Felizmente mulheres de diferentes ideologias, etnias, religiões, profissões e classes sociais reagem e se organizam contra a barbárie de escolher democraticamente um representante da violência patriarcal machista, cujo romance de Margaret Atwood denuncia. Aguardemos, o futuro permanece aberto.


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