Relações pais e filhos em Arkangel: o controle que adoece



A quarta temporada (2017) da série de ficção científica produzida pelo Netflix, Black Mirror, apresenta ao público um episódio denominado Arkangel que, embora possa ser criticado do ponto de vista da estética e da inovação, suscita reflexões extremamente pertinentes a respeito da educação e do controle familiar.

O episódio foi dirigido por Jodie Foster, atriz e diretora americana, constantemente interessada na abordagem de temáticas que envolvem dramas familiares. Em Arkangel, uma mãe solteira decide fazer o implante de uma nova tecnologia no cérebro da filha, que permite a ela ter acesso, controle e visão sobre esta. A mãe acessa uma pequena câmera, sempre que deseja ou desconfia da filha, para saber onde ela se encontra e o que está fazendo. O mote da tecnologia em teste é a segurança e a paz dos pais. Será?

Quando a filha torna-se adolescente, os conflitos com a mãe possessiva e dominadora se ampliam. A filha sabe do implante, mas confia, inicialmente, na discrição da mãe, que consente em não utilizar mais a câmera, algo, porém, que não consegue cumprir. Quais as consequências da invasão e do excesso de controle da mãe na vida da filha, mesmo que tal atitude seja justificável, de certo ponto de vista?

Revelar o final de uma história nunca foi sensato, vale a pena assistir o episódio para compreender a proposta da discussão. O que está sendo problematizado é que já vivemos nesta distopia de uma sociedade absolutamente vigiada, sendo que as mães e os pais foram aprendendo a pensar a vigilância contínua sobre os filhos como algo necessário e positivo. Tal formulação, no entanto, não procede, pois ao contrário do que parece, o que o patrulhamento possibilita são transtornos no desenvolvimento infanto juvenil.

Uma criança excessivamente controlada não adquire confiança em si mesma, porque não tem a chance de se construir de maneira autônoma e criativa. Quando adolescente, pode tornar-se extremamente insegura, desconfiada, agressiva ou mesmo narcisista. Pode ser muito autoritária ou submissa, identificar-se com o controle tornando-se também controladora ou, por outro lado, subserviente, cativa.

Não é nada saudável educar os filhos partindo do pressuposto de que devem nos fazer relatórios diários, caso contrário conferimos as câmeras para saber o que ocorreu de fato. Não é nada saudável que precisemos monitorar nossas crias 24 horas ao dia para nos sentirmos menos preocupados. Essa gestão educacional pela vigilância absoluta, que vem se implantando e se desenvolvendo nas escolas e nas famílias em nome da segurança e do sossego, proporciona um processo de infantilização, dependência emocional e ausência de responsabilidade individual, tanto dos adultos quanto dos jovens. Exemplos não faltam e o filme narra um deles, com consequências dramáticas.

Necessário se faz, portanto, rever os padrões de relacionamento com os filhos e questionar a imposição (sutil) das tecnologias em nossas vidas. Não seria melhor tentar criar relações baseadas na confiança ao invés de relações baseadas na vigilância e na ameaça?



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