FLIP: uma experiência

A 15ᵃ Edição da Festa Literária Internacional de Paraty ocorreu de 26 a 30 de julho deste ano, 2017. Mesmo com dificuldades financeiras, os amantes da literatura, estudantes e profissionais de ciências humanas e artes, os turistas, os autores e escritores puderam se enriquecer culturalmente e afetivamente neste magnífico Encontro.

O autor homenageado desta FLIP foi Lima Barreto (1881-1922), assinalando o tema do racismo, presente em nossa sociedade desde sempre. Como escritor e jornalista negro do fim do século XIX, Lima Barreto sofreu muitos preconceitos, tornou-se alcoólatra e foi internado em hospícios, morrendo com apenas 41 anos. Suas obras mais conhecidas são O Triste Fim de Policarpo Quaresma e O Homem Que Sabia Javanês.



A questão do racismo foi abordada e debatida apropriadamente em diversas Mesas do Evento. Uma das mais interessantes contou com a presença do ator e apresentador Lázaro Ramos, possivelmente a maior estrela da FLIP.

Lázaro lançou o livro Na Minha Pele, autobiográfico, narrando parte de sua história de vida e abordando temas importantes da contemporaneidade, como diversidade, preconceito racial, empoderamento, redes sociais e empatia.


Muitos foram os escritores e escritoras, inclusive, a apresentar obras de cunho assumidamente autobiográficas, mesmo que em forma de ficção. O livro A Resistência, de Julián Fuks, é um exemplo. Belo e lírico, o texto de Fuks nos coloca em contato com sua família durante a ditadura militar argentina, especialmente com seu irmão adotivo. Fuks compartilhou com o público da FLIP e com seus leitores (nos quais eu me incluo) que escrever sobre o irmão era uma necessidade emocional que sentia, para poder lidar com sua própria angústia. Nem por isso A Resistência deixou de ser um livro de ficção primoroso.















Relatos tocantes envolvendo genocídios também foram objeto de discussão na grande festa da literatura de 2017. Gostaria de destacar a Mesa Em Nome da Mãe, na qual Scholastique Mukasonga dividiu o palco com Noemi Jaffe, ambas filhas de mães que sofreram genocídios.

Scholastique é a única sobrevivente, em sua família, do genocídio de Ruanda ocorrido em 1994. Seu livro A Mulher de Pés Descalços é uma triste homenagem à sua mãe. 

"É da necessidade de realizar o rito do sepultamento e de conferir um rosto àqueles que ficarão eternamente associados a simples dados estatísticos na História oficial que nasce o romance A Mulher de Pés Descalços, relato biográfico daquela que está na origem da própria voz autoral: a mãe." 
Leonardo Tonus, sobre o livro de Scholastique.

Não há como ficar indiferente à dor desta mulher tão sofrida. Já O que os Cegos estão Sonhando? narra a história de Lili Jaffe, sobrevivente de Auschwitz - campo de concentração nazista - e mãe da autora do livro. 


Como se pode perceber, todas estas obras e muitas outras não citadas incluem experiências pessoais dos autores e autoras, levando em conta a memória e a urgência do testemunho, bem como propiciando a criação de uma literatura viva, pulsante e reveladora, que tem algo a dizer para o mundo, para nós leitores e para as gerações futuras.

Evidentemente esse foi um pequenino recorte, bastante seletivo, da minha própria experiência na FLIP. Outros momentos mais descontraídos poderiam ser lembrados, tal como a presença marcante de Pilar del Rio, jornalista que foi esposa de José Saramago, de Natália Borges Polesso, que escreveu o livro de contos Amora e Carol Rodrigues com a obra Sem Vista para o Mar, também um livro de contos peculiar.


Agora, no entanto, só resta aguardar que tenhamos todos uma outra Festa Literária em 2018. A ver!

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