Contra a banalidade do mal, reflexão e conhecimento
É possível que a passagem de um
século para o outro, como foi do século XX para o século XXI, tenha cultivado
vãs esperanças em muitos de nós, seres humanos mortais desse planeta. É
possível ainda que, movidos por certo encantamento pela vida ou ilusão
necessária para levantar da cama com energia, acreditemos que o início de um
ano aponte sempre para novos olhares, novas relações, conquistas, sonhos e todo
o bem que a humanidade precisa fazer valer.
De minha parte, mantenho esse ritual
do Ano Novo, não por ingenuidade, mas por pura necessidade de criação e uma
espécie de redenção acerca do que já aconteceu e não pode ser mudado. 2015 foi
um ano atípico? Não tenho muita certeza se foi tão diferente de 2013 e 2014,
mas o sentimento generalizado das pessoas indica que sim, que o
descontentamento sócio econômico aumentou, as manifestações no campo político
continuaram e o ódio no mundo todo, tão preocupante, cresceu. Pois bem, eis o
cenário que permanecerá agora, em 2016. Não há como negá-lo.
Evidentemente que junto a essa
configuração mais global, digamos assim, vivemos nossos dramas pessoais, nossas
perdas e sofrimentos psíquicos, mortes simbólicas ou reais, frustrações, conflitos
em relacionamentos muitas vezes desgastados. Também com eles iniciamos um novo
ano, quem sabe buscando outras perspectivas de compreensão.
Sabemos que a transformação, seja
individual ou coletiva, requer instrumentos para ser efetivada, ou seja, é
preciso criar condições, incessantemente, para que nosso projeto de vida se
realize, para que nossa existência tenha sentido e valha a pena. Da mesma
maneira, tendo em vista o grave momento sócio político que estamos vivendo, repito, em
todo o planeta Terra, não apenas no Brasil, é preciso buscar a ampliação de
campos de reflexão para educar o senso crítico e combater o ódio em voga.
O ódio não é uma novidade entre nós,
entre as nações e os povos. As guerras sempre existiram, com rituais de
violência que foram se modificando no decorrer da história. Tendo em vista o
investimento maciço da indústria bélica e das novas tecnologias, porém, o
alcance da matança de seres humanos chegou ao ápice durante as duas grandes
guerras mundiais do século XX.
Não é minha intenção, no presente
texto, discorrer sobre as guerras que ocorreram ou mesmo sobre as que estão
ocorrendo hoje. Gostaria apenas de compartilhar certa preocupação acerca das
ideias que vêm sendo difundidas em nossos ambientes de convivência, principalmente
por algumas mídias, de forma acrítica e irresponsável. Não devemos nos esquecer
de que, a sustentar uma guerra, um genocídio ou um assassinato, estão justamente
os valores, os ideais e os preconceitos.
Para dar o exemplo mais conhecido da
humanidade, Hitler, a princípio, convenceu boa parte do seu povo de que “realmente” os judeus tinham que ser
mortos, exterminados. Durante a escravidão negra no Brasil, existia a crença,
por parte dos europeus, de que as pessoas negras (e também os índios) não eram
seres humanos. Portanto, a base de legitimação das atrocidades, no momento em
que sucedem, são o pensamento e os afetos relacionados a ele.
Vejamos um exemplo no âmbito interpessoal:
quando um marido bate em sua esposa ou quando pais/mães espancam seus filhos. Pode-se
até afirmar que foi um “momento de
descontrole”, no entanto para que
este momento acontecesse, é provável
que existisse a crença de que tal ato de violência é um direito, senão um dever
de quem o comete. Essas são inclusive falas que compõem o discurso de
agressores.

Grosseiramente explicando, este
conceito significa a falência de nossa capacidade de pensar e de refletir por
nós mesmos, de distinguir entre o certo e o errado, de nos deixar dominar, sem
crítica ou resistência alguma, pelo que “estão dizendo por aí”, pelo que “estão
incitando ser feito por aí”. O motorista dos caminhões que transportava os
judeus para os campos de extermínio nazista, Eichmann, era uma pessoa comum,
como qualquer um de nós, e fazia seu "trabalho" sem crítica, sem avaliação e
reflexão, apenas cumprindo ordens. Este é o personagem histórico que Arendt
analisa em seu famoso livro Eichmann em Jerusalém.
Pois bem, é óbvio que se trata de uma
discussão complexa e polêmica. Espero que ela esteja apenas começando, porque estudando
história é possível presumir os riscos que estamos correndo, caso não tenhamos
condições e coragem para avançar neste debate fundamental.
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