A negação do homem trágico: extinção da espécie humana



Infelizmente a visão do homem como um ser trágico, proclamada pelos gregos, por Shakespeare, Nelson Rodrigues e tantos outros escritores, filósofos e artistas, não tem sido objeto de apreciação, de interesse e compreensão pela nossa cultura dominante. Esta visão foi se modificando ao longo dos séculos, assinalando diferenças extremamente importantes. Se nos gregos a tragédia relacionava-se aos desígnios dos deuses, em Nietzsche, um dos maiores e mais influentes pensadores do início do século XX, a tragédia é justamente o oposto, qual seja o fato do ser humano descobrir-se absolutamente órfão das divindades, sendo obrigado a lidar com o que ele anunciou justamente como a morte de Deus.

Em função da primeira e da segunda guerra mundiais, muitos foram os filósofos a declarar a morte do homem, fruto do extermínio de povos que, em última instância, poderia levar à destruição de todos os habitantes do planeta, o que por sorte não ocorreu, mas segue em curso. A extinção da espécie humana, no momento presente, é uma possibilidade constatada por inúmeros cientistas devido ao esgotamento das condições de manutenção da vida na Terra. De forma suicida, temos optado pelo aquecimento global, pela poluição de todos os meios saudáveis de existência e pelas armas de destruição em massa. Como será que chegamos a esta tão ampla tragédia?      
   
Sem pretender simplificar problemas tão complexos, arrisco a hipótese de que o capitalismo e, nas últimas décadas, o neoliberalismo, aliado à produção de tecnologias que buscam construir uma espécie de universo pós-humano, propiciaram a invenção do "homem não trágico", um ser inatingível pelos deuses e pela reatividade da natureza, um ser cuja finitude parece não existir.

Em uma de suas aulas, transformadas em livros maravilhosos, Michel Foucault, filósofo francês da segunda metade do século XX, estudioso da cultura grega, conta-nos como os gregos pensavam e se preparavam para a morte. Havia uma formação e educação para morrer, baseada em exercícios mentais e cotidianos que levavam em conta a finitude humana, algo absolutamente distante da nossa prática e do nosso pensamento. 


O sistema sócio cultural econômico atual impede que nos lembremos do nosso próprio fim, da nossa morte, esta sim a condição inexorável a determinar que somos trágicos. Se há algum deus inquestionável, este é tão somente a morte, circunstância trágica dos animais racionais e irracionais presentes no planeta Terra. Negá-la, seja na dimensão individual, coletiva ou planetária, implica uma tragédia ainda maior: não por acaso, esta que hoje vivemos. 

Talvez a nossa sobrevivência enquanto espécie humana no planeta esteja a depender, neste instante, de nos compreendermos como seres trágicos, mais uma vez. Seres finitos e necessariamente vinculados uns aos outros, bem como à terra, à água e ao sol.

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