Experimento de Milgram, banalidade do mal e consciência




Experimenter ou O Experimento de Milgram (2015), filme dirigido por Michael Almereyda, apresenta aos espectadores a biografia de um importante psicólogo e pesquisador norte americano. No Netflix é possível encontrar o título.

A película é rara, muito bem construída, com ótimas interpretações. Enfoca especialmente os polêmicos experimentos realizados por Stanley Milgram nos anos 60 e 70, na Universidade Yale dos EUA.

Milgram era judeu e se interessava em responder a seguinte pergunta: por que obedecemos ordens superiores mesmo sabendo que estamos fazendo algo errado? O genocídio judeu e muitos outros só foram possíveis na medida em que pessoas comuns se submeteram às ordens de líderes nazifascistas, estimulando e impondo a matança generalizada. Como ocorre esse processo de obediência a uma determinada autoridade? Este o tema, ainda atual, de Milgram.

Para realizar o experimento diretamente com as pessoas, em laboratório de psicologia social, o pesquisador selecionava voluntários dispostos a ocupar papéis distintos durante o teste, um como professor e outro como aluno, sendo que cada um ficava em uma sala separadamente, sem se ver. O professor era obrigado a dar um choque de baixa frequência no aluno, quando este errava a questão que estava sendo avaliada. A intensidade do choque ia aumentando, provocando grande incômodo na maioria dos voluntários que ocupavam o papel de professor. Apesar disso, eles não interrompiam a punição que imaginavam estar aplicando aos alunos, com raríssimas exceções.

Sem informar os detalhes acerca do filme - para que não haja spoiler -, importa refletir sobre os resultados da investigação, realizada inicialmente nos EUA e depois ampliada para países da Europa. Em todos os lugares, o comportamento dos voluntários que tinham como função aplicar uma punição aos supostos alunos, cujo sofrimento com os choques eram evidenciados, foi o mesmo: manter o regulamento acordado com o pesquisador, presente na sala do experimento e em posição de autoridade máxima. Isso significa que, embora constatasse o sofrimento humano do outro e sentisse aflição, quase todos os examinandos deram continuidade a aplicação dos choques.

Criticado por muitos de seus colegas acadêmicos, Milgram acabou se notabilizando com a publicação de seu livro Obediência à Autoridade: uma visão experimental, já traduzido para o português. Além de questões éticas sobre suas pesquisas, Milgram gerou perplexidade nos psicólogos e psiquiatras da época porque estes não esperavam as reações notificadas, ou seja, presumiam erroneamente que quando uma pessoa é instada por uma autoridade a fazer algo que causa dor ao outro, haveria desistência do ato, o que não se revelou verossímil na pesquisa.

É impossível não dialogar com a tese da banalidade do mal, de Hannah Arendt. Segundo seus argumentos no livro Eichmann em Jerusalém, a prática de atos violentos pode ocorrer a qualquer um de nós, sem que sejamos monstros psicopatas. Tais atos estariam relacionados com a dificuldade de distinguir o que é certo e o que é errado nas situações vivenciadas, levando-se em conta quais são as regras do momento. Eichmann, o motorista que levava os judeus para a morte, ao ser julgado pelo Tribunal de Jerusalém, afirmou que "apenas cumpria ordens", mesmo sabendo que o que estava fazendo era matar, sob o comando de Hitler e outros generais nazistas. Vale a pena ver o filme Hannah Arendt (2013) e ler o seu relato sobre o julgamento de Eichmann, no livro mencionado.



Sabemos que o drama da obediência à uma disciplina ou a leis de Estado perversas, genocidas, totalitárias e mantenedoras de sofrimento segue nos dias de hoje. Em nosso cotidiano provavelmente poderíamos elencar diversas cenas a esse respeito. Quantas seriam as circunstâncias em que percebemos estar fazendo algo doloroso para alguém e mesmo assim continuamos, em nome de alguma coisa que nem sempre sabemos... Pode ser o abstrato e controverso "bem", pode ser o "progresso da humanidade", pode ser Deus, pode ser a proteção e a segurança, pode ser a "moralização do mundo", pode ser simplesmente cumprir com regras ou demandas que parecem justas, pode ser tudo isso.

Stanley Milgram e Hannah Arendt acreditavam que havia uma saída: chamaram-na consciência e responsabilidade.






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