Reflexões sobre um Sociodrama com estudantes: feminicídio e civilização


Convidada este ano para participar de eventos da Semana da Mulher em uma escola pública de Piracicaba, coordenei uma atividade de Sociopsicodrama com uma classe de alunos do ensino médio, sobre o tema Feminicídio. A atividade ocorreu em sala de aula, inserida na disciplina de Sociologia e foi tão interessante que merece reflexão.

Em primeiro lugar, vale a pena registrar que este método de intervenção e atuação oferece recursos dinâmicos para os adolescentes, já que propõe ação, jogo dramático, compartilhamento e discussão, possibilitando que se expressem, falem e ouçam uns aos outros.

Pois bem, encontrei muita receptividade e disposição destes queridos jovens. As cenas criadas espontaneamente por eles revelam consciência sobre o crime de feminicídio, sobre o drama de famílias cujo pai é muito agressivo com todos os membros e sobre a condição de vulnerabilidade que uma mulher se encontra frente ao assédio praticado por homens em lugares públicos. Importante observar que a maioria dos estudantes eram meninos, provavelmente dignos e respeitosos com as meninas, pelo menos no que diz respeito à questão da violência de gênero.


 Tendo em vista o momento de barbárie que estamos vivendo, especialmente no Brasil, em que a grosseria e a falta de educação imperam, em que o ódio nas redes sociais só cresce, em que a diferença voltou a ser intolerável, em que os preconceitos podem ser divulgados sem vergonha alguma e quase sem punição, em que o crime de feminicídio duplicou nestes primeiros meses em relação ao ano passado, tendo em vista este diagnóstico de participar de uma sociedade doente e cruel, na qual a civilização parece ter interrompido seu percurso, é revitalizador constatar que existem pessoas e grupos inteligentes, dispostos a pensar e progredir numa outra direção.

Isto posto, apresento a questão que entendo necessitar de maior debate. Como resolver o problema do feminicídio? O que deve ser feito com os agressores? Prisão, divórcio e segundo alguns estudantes pronunciaram, morte, pelo Estado ou por grupos de extermínio (milícias). Ninguém foi capaz de pensar em reeducação e tratamento, mas já existem grupos de escuta e atendimento psicológico para homens agressores espalhados por todo país, em unidades do judiciário, dos sistemas prisionais e em projetos de universidades públicas. O índice de reincidência às agressões varia de 0 a 8%, ou seja, sucesso absoluto.

É óbvio que um sujeito que tenta matar uma mulher precisa ser detido e que a separação de corpos é necessária e saudável, quando o vínculo for amoroso, como é na maioria dos casos de agressão. Mas porque apontar como solução a morte do agressor, a revanche, a vingança, mesmo que haja motivos para desejá-la? Será este um caminho civilizatório, violência resolve-se com mais violência?

Imagino que se o tema da atividade fosse qualquer outro tipo de violência, essa mesma resposta iria surgir, afinal um decreto presidencial recentemente liberou o porte de armas para os cidadãos, ávidos em comprá-las e usá-las, evocando legítima defesa. Não é difícil perceber, portanto, que esta resposta dos estudantes é um reflexo espelhado de parte da sociedade brasileira, que não consegue imaginar outras formas, mais inteligentes e criativas, para resolver os problemas de violência.




É neste sentido que convoco os profissionais da área da saúde e educação, os pais e mães, os amigos, os estudantes e todos aqueles que se preocupam com o futuro, para que reflitam sobre o que é civilização, quais são as condições sócio econômicas culturais capazes de construir o mundo civilizado e se vale a pena ou não viver em uma sociedade civilizada. Caso a resposta seja sim, será preciso “arregaçar as mangas”, repensar valores e atitudes, reavaliar mensagens da internet e da televisão, tratar os ”afetos do mal”  e aprender o básico, empatia, solidariedade e ternura.

NOTA: A Escola referida, na qual a atividade foi realizada, é a E.E.Professora Carolina Mendes Thame de Piracicaba. Direção Donald Gebartosky Arruda, Coordenação Pedagógica Karine Cristina Augusti Junque e Professora de Sociologia Responsável Miriam dos Santos Quirino de Castro.

Comentários

  1. Vivemos momentos hostis,onde a Saúde Mental dos agressores merecem cuidados e mais que justo ter início deste cuidado na escola. Parabéns

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