Por uma nova ética


Encantamento não é uma palavra tão usual nos dias de hoje. Talvez o que mais temos ouvido ultimamente sejam palavras e frases que expressam o sentido contrário: desânimo, medo, intolerância, ódio. Vivemos tempos muito difíceis, não tenho dúvida, mas isso não significa que não possamos criar novas maneiras de agir, de pensar e de nos relacionar uns com os outros.

Um dos mais recentes livros da filósofa americana Judith Butler (reconhecida internacionalmente pela formulação da Teoria Queer), que esteve no Brasil em setembro, aponta para esta direção e por isso é uma obra de arte rara, a meu ver, encantando profundamente as pessoas mais reflexivas, que estão discutindo o Homem na contemporaneidade.

Relatar a si mesmo – Crítica da violência ética é um livro absolutamente necessário, nesse momento em que o Outro, enquanto pessoa dotada de humanidade tanto quanto o Eu, não tem mais existência. As relações que experimentamos no nosso cotidiano carecem de reconhecimento: não vejo o outro, não o reconheço em suas necessidades e não o afirmo como ser humano. Na mesma medida, também não sou reconhecido.

Butler discute a possibilidade de uma nova ética a orientar nossas relações, partindo da investigação de vários filósofos, como Foucault e Hegel.  Nesta ética a ser criada, teríamos que admitir, em primeiro lugar, “nossa cegueira comum, invariável e parcial em relação a nós mesmos.” Desta compreensão sobre quem somos, imperfeitos, falhos ou opacos (esta última palavra é a utilizada por Judith Butler), decorreria a aceitação dos limites do outro: “Quando pedimos para conhecer o outro, ou pedimos para que o outro diga, final ou definitivamente, quem é, é importante não esperar nunca uma resposta satisfatória.”

Por essas e tantas outras reflexões de Judith Butler, repletas de lucidez, seriedade e sabedoria, é que a vida me encanta.

Mesmo sabendo que é cruel recortar trechos de um livro, principalmente na área de filosofia, não resisto. Ao discutir juízos de valores que nos levam a acusar e condenar os outros, a filósofa afirma:

"Considere que, quando suspendemos o juízo, realizamos um tipo de reflexão que possibilita uma maneira de nos tornarmos responsáveis e de conhecermos a nós mesmos. A condenação, a acusação e a escoriação são formas rápidas de postular uma diferença ontológica entre juiz e julgado, e ainda de se expurgar do outro. A condenação torna-se o modo pelo qual estabelecemos o outro como irreconhecível ou rejeitamos algum aspecto de nós mesmos que depositamos no outro, que depois condenamos. Nesse sentido, a condenação pode contrariar o conhecimento de si, uma vez que moraliza o si-mesmo, negando qualquer coisa comum com o julgado.” (p 65)

Nem é preciso dizer o quanto a discussão proposta em Relatar a si mesmo - Crítica da violência ética, é emblemática no mundo atual do qual fazemos parte.


Comentários

  1. Querida amiga Andréia

    Perdoe-me a ausência.
    Final de ano, para quem ensina
    o tempo fica curto,
    mas estamos sempre visitando
    espaços preciosos que nos fazem tão bem.

    Gostaria de convidá-la a visitar o meu blog
    www.sonhosdeumprofessor.blogspot.com
    onde postei uma entrevista que fiz recentemente
    e que está sendo vinculada na mídia de Fortaleza.

    É também uma forma de entender a forma
    que penso a Educação que acredito
    e a qual dedico a minha vida.

    Um imenso abraço.

    Aluísio Cavalcante Jr.

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