Um Poema para o Menino

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"Temos que dar uma chance à vida"- Anistia International Brasil.
Segundo dados dessa organização não governamental de direitos humanos, o Brasil vive uma epidemia de homicídios que não é discutida pela sociedade nem pelos meios de comunicação. As principais vítimas são os jovens do sexo masculino, especialmente os habitantes negros das periferias, que compõem 77% dos assassinados. Trata-se de uma realidade que reflete a cultura de violência na qual todos estamos inseridos.

Qual a nossa responsabilidade frente a este cenário tão triste e preocupante? Será que a arte e a literatura podem nos ajudar a cultivar outros olhares, mais solidários e compreensivos? 
Esta é a proposta do poema A morte do menino, de minha autoria: criar condições afetivas para que nos coloquemos no lugar do outro. 

Fui menino nascido no esgoto
de um barraco cheio de vermes.
A pobreza habitou meu mundo,
nela sobrevivi aos 12.
Sujo e lamacento de cor de pele,
sempre quis o azul do céu nos olhos de minha mãe.
Pai não sei quem foi, mas irmãos, há que ampará-los!

Deivid já estava preso.
Jonathan ainda não
e Michel morava com a tia.
Gisele cuidou de mim,
mas Daiane fugiu de casa.
Vó Alberta morreu chorando – coitada, o barraco pegou fogo!

Nesse dia não teve Deus,
aquele que mãe e vó acreditavam.
“Deus nos deixou, Deus está nos castigando!”
“O que fizemos de tão errado?”
Eu tinha 7 anos quando fomos na rua morar.

Ah, que saudade dos meus amigos!
Onde estariam?
Os mendigos se multiplicavam,
não tinha comida nem água, faltava roupa sobrava dor.
E assim como na favela,
a polícia nunca se esqueceu de nós:
de paulada em paulada
éramos atirados aos viadutos,
às pontes imundas dessa cidade que não nos queria.

Deus deve ter se apiedado de nós!
Eu não lhe pedia nada,
nem sabia o que era ele.
Mas alguém veio buscar nossas coisas
e minha mãe disse que era um anjo desse Deus.

Eu pensei:
felicidade é não ficar com fome,
felicidade é ter um lugar pra dormir,
felicidade é voltar pra escola.

Novos amigos, novo barraco, agora com tijolo!
Ah, o que será que fizemos de tão certo?
Não sei não.

O que sei é que continuamos pobres.
Jonathan também foi preso.
Michel morreu de tiro.
Daiane teve vários filhos
e Gisele ficou com a mãe, junto de mim.

Todo dia tinha polícia batendo nas vielas.
De noite de dia a qualquer hora.
Sem demora aprendemos a ser estátua:
“Mostra tudo, fica quieto, não fala, não reage!”
Era o que o tio e a mãe imploravam pra fazermos.
“Não corre, menino! Não responde a farda, eles matam!”
E matavam mesmo, não adiantava rezar.

Minha mãe queria voltar pra algum lugar
que não sabia onde era.
Eu tinha medo que ela morresse, mas quem morreu loguinho fui eu.

O dia da minha morte foi sábado.
Eu mais o Júlio e o Clau fomos no campinho jogar bola.
Estava nublado.
Os outros meninos chegaram, teve uma briga qualquer.
Só me lembro dos berros que não eram homens – devia ser minha mãe.
E os tiros espraiando pelo ar...
Não sei quem correu, quem fincou no chão.
Eu tropecei, os milicos não perdoam, pensam que é tudo bandido.
Vieram pra cima, eu segurando a bola.
Não deu tempo, mesmo assim balbuciei:
“não fiz nada.”

Então aconteceu.
Um estampido horroroso.
Eu vi ficar cinza depois preto.
Morri pensando na minha mãe,
quem vai cuidar dela?
A Gisele não pode morrer,
mas o que é o futuro?

Nasci preto pobre menino favelado.
Tive só 12 anos, mas eu queria ter tido mais,
um pouco mais...

Comentários

  1. Parabéns! Realmente vivemos a confusão da democracia com muitas liberdades banais, mas rara em solidariedade.

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