Alta Performance: o massacre da infância
A sociedade do desempenho vem se
consolidando no século XXI de maneira avassaladora. Nada nem ninguém fica à
deriva dos valores estimulados pela concepção de rendimento e eficiência
máxima, culto à competição, produtividade e eficácia sem limites. O homem
contemporâneo é um “sujeito empresarial”, conforme definição dos filósofos
franceses Pierre Dardot e Christian Laval, na obra-prima A Nova Razão do Mundo.
Enquanto sujeitos empresariais tentamos
acriticamente gerenciar nosso tempo, nossa vida e nossas relações humanas a
partir de uma ótica empreendedora, na qual o que importa é sempre o nosso
próprio lucro e sucesso, também denominado “gozo” pelos filósofos citados. Naturalizada
entre nós, esta lógica empreendedora (ou neoliberal) tem custo, faz vítimas e
amplia o sofrimento psíquico.
É fato que nossa subjetividade vem sendo constituída, há tempos, para aceitar e jamais questionar tal sistema
de sociedade. Por isso, em geral, não nos alarmamos quando observamos crianças
chorando porque perderam um simples jogo na escola, ou porque tiraram uma nota
um pouco mais baixa. A preocupação começa quando percebemos, porém, que a
depressão é contínua, ou que o medo de ir à escola se transformou em fantasmas
noite adentro, com bonecas falantes e cavalos assustadores voando pelo teto.
A norma principal transmitida pelos
adultos às crianças, consciente ou inconscientemente, é que elas precisam
ganhar/vencer o tempo todo e a todo custo, sob pena de perderem algo importante e serem, assim, punidas. Por isso não podem errar jamais. Errar é,
literalmente, imperdoável. Errar um gol, errar uma palavra, errar um gesto,
errar um pensamento... Não é permitido, é
necessário ser perfeito (leia-se acertar) em nome do alto rendimento e da alta
performance.
Sob tais condições, comove
profundamente acompanhar a expressão do imaginário infantil, seja em jogos
dramáticos ou gráficos, que narram imagens sobre esse mundo doloroso e repleto de
culpa individual. Guerreiras essas nossas crianças a brigar por um pouco de
paz, contando-nos histórias de meninos abandonados pela família porque
não conseguiram fazer gol, onças que tiveram seus filhotes roubados porque deles cuidavam muito devagar, patinhos humilhados em seu habitat por não serem capazes de nadar igual aos outros, coelhos frágeis que precisam desesperadamente se
esconder porque serão devorados por enormes leões!
A estas crianças massacradas correspondem
pais igualmente assolados pela culpa, que merecem cuidado e compreensão. Pais que
supõem nunca poder errar, pais a quem temos que proclamar indefinidamente que errar é humano, que ser frágil faz parte da vida e que ter dúvidas significa bom senso.
Por tudo isso entendo ser mais do
que urgente nos perguntarmos enquanto sociedade: o que queremos para nossos filhos, como desejamos que seja o futuro?
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