Relato sobre um filme perturbador: Filho de Saul
Na sala escura do cinema onde
assistíamos Filho de Saul (concorrente ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro/2016
e premiado em Cannes/2015), nenhum som se torna audível além dos gritos e gemidos
das pessoas que estão sendo mortas durante a II Guerra Mundial. Não há
movimento algum do público, ninguém fala nem come, quase nem se respira! Filho
de Saul é um daqueles filmes que emudece nossa alma, inibe nossa sede e fome,
cala nossa voz e impede nossas lágrimas. O choro fica preso na garganta diante
de tanta crueldade.
Não aquela crueldade dos filmes
americanos de grande sucesso comercial, no qual as cenas sádicas provocam
êxtase no público. Absolutamente, não se trata disso. O diretor húngaro László
Nemes optou por falar sobre as atrocidades cometidas contra os judeus de uma
outra maneira: através dos olhos de Saul - o personagem principal - adentramos em
um campo de concentração nazista. A câmera insiste em se posicionar atrás da
cabeça de Saul (câmera no ombro, sem tremer), seguindo-o e conduzindo-nos em
direção a um labirinto sinistro, sombrio e absurdo. Desse modo, as imagens da
violência surgem desfocadas, ao contrário do som, cujo registro do sofrimento é
impecável. Nós ouvimos a dor, os assassinatos e a morte. Podemos até sentir o
cheiro das cinzas e ficar com náusea, paralisados, aterrorizados.
O que nos resta após uma experiência
cinematográfica de tamanha intensidade? Falar, escrever e refletir sobre ela, como
muitos críticos de cinema e pessoas que se sensibilizaram estão fazendo. Por ser
um filme tão denso e sufocante, perguntamo-nos qual o sentido de assisti-lo, e
a resposta, a meu ver, não deixa qualquer dúvida: porque é necessário conhecer
a história para pensar sobre o que ainda não aprendemos. Ou será que nos
tornamos mais humanos a partir de Auschwitz?
Se Filho de Saul não fosse um filme
necessário, não teria havido, após a II Guerra Mundial, tantas outras
atrocidades que continuam até o presente. Vietnã, ditaduras da América Latina, Palestina,
Kosovo, Iraque, Síria, massacres e genocídios na África, no Brasil e em muitos
lugares do globo terrestre. Quantos serão os filhos de Saul e quem são? Refugiados, pobres, negros, índios, imigrantes, islâmicos, homossexuais,
transexuais e muitos outros dos quais temos algumas notícias, tantas são as intermináveis guerras visíveis ou invisíveis que
assassinam seres humanos, garantindo o lucro das indústrias bélicas.
No atual momento, por exemplo, a
tecnologia dos drones faz vítimas jamais noticiadas pelas mídias.
Crianças, mulheres e homens pobres, de comunidades islâmicas distantes são
assassinadas diariamente pelos drones americanos em nome do combate ao
terrorismo. Através do livro A Teoria do Drone, do filósofo francês Gregoire Chamayou,
acompanhamos impotentes mais um extermínio de povos.
E é justamente por tudo isso que um
filme como Filho de Saul merece ser criado e apreciado pelo público, para que
nos lembremos, para que não esqueçamos e para que tenhamos a dignidade de nos pronunciar contra a barbárie. A arte também tem essa função, quem
sabe possa nos provocar alguma comoção. Se estivermos abertos, se quisermos saber.
O choro fica preso na garganta.
ResponderExcluirNa sessão em que fui assistir éramos 5 pessoas. Ao final apenas 3.
Emudecidas. Quase envergonhadas de ter sobrevivido.
O choro fica preso na garganta.
ResponderExcluirNa sessão em que fui assistir éramos 5 pessoas. Ao final apenas 3.
Emudecidas. Quase envergonhadas de ter sobrevivido.