Adolescência e Criminalidade: espelho da sociedade
O Conselho Federal de Psicologia e os
Conselhos Regionais, órgãos de representação de classe dos psicólogos, bem como
diversas entidades e associações de defesa dos direitos das crianças e
adolescentes, tais como Unicef, Fundação Abrinq, Aliança pela Infância, Anistia
Internacional, CNBB, ANDI, Rede Não Bata Eduque, Instituto Alana e OAB
Nacional, manifestaram-se publicamente contra a redução da maioridade penal e a
favor do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, iniciando diversas
campanhas de esclarecimento e debates com a sociedade.
Do ponto de vista da psicologia, esta
é uma discussão que precisa ser realizada pela perspectiva da educação. Em
primeiro lugar compreende-se que nós, seres humanos, somos constituídos nas relações
que criamos e reproduzimos em um dado tempo histórico. Nossa subjetividade,
nossas ações e valores fazem parte da sociedade em que vivemos. Então se temos
um determinado número de adolescentes que cometem crimes, em todas as classes
sociais - importante lembrar -, isso revela problemas da ordem dos adultos
também.
As questões que deveríamos nos
colocar, enquanto sociedade que se responsabiliza por seus infantes é: em que estamos
errando tanto a ponto de produzir condições para a violência se alastrar
continuamente? Qual o nosso papel, como cidadãos educadores, frente aos jovens?
Como cada um de nós, muitas vezes sem perceber, contribui para o aumento da
violência? Será que os adolescentes são violentos ou é a sociedade que é
violenta? Para nos colocarmos frente a frente com essas perguntas, no entanto, é
imprescindível revermos o paradigma corrente de que “o mal está no outro”: infelizmente
tendemos a perpetuar essa máxima e assim não nos olhamos no espelho.
Tendo em vista que crianças e
adolescentes são pessoas em desenvolvimento, vulneráveis a todo tipo de
situação e experiências perigosas, entende-se que é necessário a criação de um
número ainda maior de redes de proteção, apoio e educação, não de encarceramento.
O desafio da sociedade é educar seus jovens, garantindo um desenvolvimento
adequado do ponto de vista afetivo, social e físico.
Sabemos que nossas crianças e
adolescentes sofrem violência de todos os tipos e em todas as classes sociais:
violência doméstica, sexual, abandono, bulling, assassinatos. Se formos
pesquisar as estatísticas, inclusive, vamos encontrar dados apontando que os
adolescentes, na verdade, são muito mais vítimas do que vilões da violência:
menos de 1% do total de homicídios são cometidos por adolescentes e mais de 36%
das vítimas de homicídios são adolescentes, sendo que 77% dos jovens
assassinados no Brasil são negros. Por que não avançamos nesse debate, ao invés
de reduzirmos o problema e apontarmos nossas armas para os “menores”, buscando
soluções que, de antemão, sabemos que não resolverão o problema? Alguém
acredita que nossos presídios “recuperam” algum ser humano?
Muitos especialistas que atuam com a
problemática da adolescência vêm alertando que a redução da maioridade penal
não é solução para a criminalidade e que pode, ao contrário, aumentar a violência.
Os adolescentes encarcerados junto com os adultos, mesmo que tenham cometido um
roubo, terão poucas chances de voltar dignamente à sociedade. É mais provável
que sejam treinados para praticar atos criminosos de maior calibre. Afirmar,
como muitas pessoas afirmam, que o jovem “não tem jeito”, que se cometeu um ato
ilícito se tornará criminoso pelo resto da vida, então melhor que “já vá para a
cadeia mesmo”, é um equívoco muito grande, um desconhecimento absoluto das
potencialidades do ser humano e do papel das relações sociais na vida de todos
nós.
É claro que é necessário haver
punição. As instituições que cumprem medidas sócio educativas de privação de
liberdade, como a Fundação Casa no Estado de SP, têm essa função. A visão de
que não há punição é também equivocada. Sendo assim, por que não investir nestas
instituições que já estão equipadas para atendimento dos adolescentes? E em
escolas, centros de arte e cultura, ampliando os canais de abordagem a essa
população? Será que a violência realmente vai se resolver com o processo de
judicialização das relações sociais e de criminalização dos adolescentes? E
quais seriam os adolescentes aprisionados, apenas os pobres?
Os jovens de classe média e alta
também cometem crimes: uso de drogas, tráfico, roubo, invasão de residência,
estupro, direção sem habilitação. Mas é muito difícil que cumpram medidas sócio
educativas. A grande maioria da população dos presídios, sejam os de adultos ou
os de adolescentes, são formados por pessoas pobres e em geral negras. Isso
aponta para uma situação de injustiça social, que ficará ainda maior caso a
maioridade penal passe a ser de 16 anos.
Ao contrário dessa proposta, nós
precisamos contribuir com nossa juventude no sentido de criar caminhos
preventivos ao crime, pela orientação escolar, profissional e familiar desses
jovens, não pela segregação. Precisamos também desconstruir a imagem que a mídia
nos impõe diariamente, principalmente a televisão com seus programas
sensacionalistas de violência, apresentando jovens psicopatas cometendo crimes
absurdos. Esses crimes representam uma quantidade muitíssimo pequena da
realidade, mas quando abordados de maneira espetacular criam a ilusão de
representarem o todo, ou seja, fica parecendo ao cidadão que a maioria dos
crimes da juventude são bárbaros, mas não são! A maioria das infrações
referem-se ao patrimônio.
A adolescência é um momento de
construção de identidade e de papéis sociais importantes, por isso necessita do
acompanhamento dos adultos. E aqui cabe novamente a questão: estamos cumprindo
nosso papel de educadores responsáveis? O Estado cumpre seu papel na educação?
Propostas tão somente de culpabilização individual e punição, sem preocupação
com as causas e mecanismos de produção e manutenção da violência vão resolver o
problema ou irão aumentá-lo?
Pois é, pelo jeito não estão interessados em discutir essas questões, apenas reforçar o que já esta dito...manipulando as opiniões e já ditando as decisões. Triste. Resta-nos resistir e questionar enquanto pequenas esferas. Ótimo texto, Déia.
ResponderExcluirExcelente artigo, muito positivas suas considerações!
ResponderExcluirSua colega - Luciana Muszalska - Psicóloga Clínica, escritora e palestrante.