Reflexão - memória e terapia: uma pequena homenagem

A educação é um processo contínuo e inacabado, quase sempre provisório, jamais concluído. Participando de cursos e grupos de estudos na Faculdade de Educação da Unicamp, tive o enorme prazer de conhecer e ser aluna da querida professora Carol (Maria Carolina Bovério Galzerani), também diretora do Centro de Memória da FE. 

Importante pesquisadora da Universidade de Campinas, autora de diversos artigos científicos e livros, como o recente Memória, Cidade e Educação das Sensibilidades (2014), Carol foi uma daquelas pessoas raras que cruzam os nossos caminhos, com humanidade tamanha e inigualável. Com ela todos podiam aprender a questionar o mundo de uma maneira doce e delicada.

Para homenageá-la, reescrevo e publico algumas reflexões pessoais que realizei como terapeuta, estudando o filósofo Walter Benjamin junto à professora Carolina.

Benjamin legou-nos uma obra magnífica na qual argumenta a concepção de memória como construção social e subjetiva. Para ele, nós nos tornamos sujeitos na medida em que damos um sentido às nossas vidas, ressignificando os acontecimentos que dela fazem parte através de um processo chamado rememoração. Rememorar implica em articular os diversos tempos, passado, presente e futuro para, quem sabe, alterar o rumo que a história aparentemente nos impõe.

Em um processo terapêutico, acompanhamos o outro em seu percurso de escolhas individuais e grupais, de questionamentos existenciais diários que pedem respostas rápidas, mas nem sempre possíveis. Buscamos, junto com este outro, tecer a palavra, a imaginação e a memória para tentar construir novos sentidos de vida, quem sabe mais humanos e felizes. Focalizamos os vazios, as dores mais inconscientes do que conscientes, para assim abrir brechas que possam ampliar o repertório criativo das relações. Por isso tudo podemos pensar a terapia a partir dos conceitos de compreensão, relação, vínculo e criação, ao contrário do modismo que incita as ideias de cura, solução definitiva e individualismo. 

A criatividade e a rememoração estão permanentemente em diálogo dentro de nós mesmos e em nossas relações, tendo em vista que as lembranças do passado podem contribuir para redimensionar o presente, inspirando novos olhares e posicionamentos. Enquanto lugar de afetividade, a memória participa da relação terapêutica e cria novas conexões tempo-espaço, ampliando, desta forma, as perspectivas de ações transformadoras, individual e coletivamente, no presente e no futuro.

Esta condição humana de rememoração, não esqueçamos, é o que nos garante a redenção. É por ela que nos movemos e nos relacionamos, que nos acolhemos e nos transformamos. É com ela que estou, neste momento, escrevendo um texto para uma pessoa querida que já morreu e que permanecerá em mim e em todos que a amam.



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