Consciência Negra: juventude, violência e alteridade


Alteridade diz respeito à capacidade humana de reconhecer a existência do outro e se colocar no lugar dele, um exercício muito complexo para os habitantes desse nosso planeta Terra, especialmente nos últimos cinco séculos, que marcam o que denominamos Modernidade.

Desde quando os europeus invadiram a América - posto que a versão sobre a "descoberta" não mais se sustenta -, iniciou-se um período de dominação e escravidão que poucos brasileiros se dispõem a estudar e compreender. Tanto os índios de todo o continente americano quanto os negros trazidos da África não tiveram a possibilidade de viver como pessoas. Ao contrário, foram massacrados e utilizados como força de trabalho, enquanto os senhores brancos europeus lucravam, enriqueciam e matavam.

Darci Ribeiro, no seu brilhante livro O Povo Brasileiro, discorre sobre o que chamou de genocídio contra índios e negros, praticados pelo cultos e letrados europeus. Os filmes 12 Anos de Escravidão (Oscar em 2014) e A Missão (1986) nos oferecem a oportunidade de imaginar como ocorreu este genocídio. Até a Igreja Católica considerava que índios e negros não tinham alma, embora ao mesmo tempo tenha tentado protegê-los. 

Tenho a impressão de que, mesmo hoje, vivendo numa democracia em que todos são considerados iguais, algo dessa história, não tão distante assim, permanece. Apesar dos negros terem sido justamente o povo que construiu o Brasil, com seus músculos, suor e sangue, o preconceito racista ainda predomina nas atitudes e posicionamentos, cada dia mais chocantes, de uma certa parcela da população (não tenho coragem de reproduzir neste espaço os xingamentos absurdos dos que humilham e degradam não só os negros, como também os índios e os nordestinos). Apesar de ter havido uma inegável ascensão sócio econômica da sociedade brasileira na última década, incluindo os afrodescendentes, é fato comprovado que a pobreza é uma condição estrutural da população negra, mais do que da branca. E por último, a associação perversa entre criminalidade e juventude negra, promovida cotidianamente pela mídia, tem levado à morte um número elevadíssimo de jovens negros, muitíssimo maior do que de brancos.

O Mapa da Violência 2014 (http://www.mapadaviolencia.org.br/mapa2014_jovens.php) registrou que do total de homicídios ocorridos no país em 2012, 57,6% tiveram como vítimas jovens na faixa etária de 15 a 29 anos. Destes, 93,3% eram homens e 77% negros. Em função disso, a Anistia Internacional lançou a Campanha Jovem Negro Vivo, propondo discutir a questão com a sociedade e os governos. 

Sabemos que a violência no Brasil é antiga e historicamente estimulada, fazendo parte de um contexto muito mais amplo, que inclui as estratégias de dominação da Europa sobre o mundo ocidental. Basta lembrarmos do genocídio mencionado anteriormente neste texto. Por isso é necessário refletir e buscar conhecimento em fontes mais críticas, já que ainda são perpetuados valores racistas na sociedade, que contribuem com a manutenção de preconceitos. Um desses preconceitos arraigados propõe justamente a ideia de que todos os que residem em áreas pobres das grandes cidades são bandidos e traficantes, principalmente se forem negros, homens e jovens. 

Tamanho equívoco permite que se instale uma guerra permanente, ceifando vidas a cada dez minutos em todo o país. Será que algum dia seremos criativos o suficiente para interromper este ciclo de tragédia, aprendendo, mesmo que a partir da dor, a considerar o valor da vida uns dos outros, independente da classe social, da cor da pele, do nível de escolaridade e do local de residência?

A ver, a sonhar e a lutar!

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