Memória, subjetividade e história

Para compreender nossa própria humanidade, nossa forma de viver, nossos relacionamentos, valores e sentimentos, precisamos aprender a refletir sobre nossa memória individual e coletiva. No momento, este é um dos temas mais discutidos aqui no Brasil, em função dos 50 anos do golpe civil militar.

Algumas pessoas têm dificuldade para entender qual a importância do resgate da memória histórica de um povo. Do mesmo modo, é comum ouvirmos familiares, amigos e clientes dizerem que “é melhor esquecer o que passou de ruim”, como se isso fosse realmente possível. Em geral, muitos acham que vão sofrer menos se esquecerem as dores do passado, sem avaliar os impactos, por vezes danosos, que tais sofrimentos causaram. Não estou afirmando que seja interessante passar a vida toda lamentando os dramas inevitáveis, mas também não parece saudável tentar negá-los.

A memória da nossa própria história e do nosso povo, tanto individual quanto coletiva, pode ser redentora, levando-se em conta que não sobrevivemos sem ela: não seríamos o que somos sem esta capacidade de pensar, voltar no tempo e no espaço, senti-lo novamente e rememorar para criar novas formas de estar no mundo.

Walter Benjamin, um grande filósofo do século passado, legou-nos uma obra magnífica na qual argumenta a concepção de memória como construção social e subjetiva, ou seja, nós nos tornamos sujeitos na medida em que podemos dar sentido a nossa vida, ressignificando os acontecimentos que dela fazem parte, através de um processo chamado rememoração. Rememorar implica em articular os diversos tempos, passado, presente e futuro para, quem sabe, alterar o rumo que a história aparentemente nos impõe.

Para onde vamos? Qual o percurso a seguir? Que possibilidades de escolhas temos, individualmente e coletivamente? Esses questionamentos existenciais que fazemos no dia-a-dia exigem acesso à nossa memória, consciente ou inconscientemente. Podemos não perceber tais movimentos dentro e fora de nós mesmos, em nossas relações, mas estamos constantemente rememorando.

E como somos seres sociais, constituídos nas relações que criamos e reproduzimos em um dado tempo histórico, não podemos nos compreender separadamente uns dos outros. Nossa forma de sentir e pensar é individual e coletiva ao mesmo tempo, bem como nossa memória. Não existe indivíduo sem relações, nem subjetividade sem alteridade. É por isso que a história importa, porque toda história individual faz parte da vivência coletiva de um grupo e vice-versa, a história do grupo também compõe cada pessoa individualmente, embora de maneiras diferentes. Portanto, resgatar a memória coletiva do Brasil é conhecer a nós mesmos, subjetivamente inclusive. 

Haveria algum motivo para tanto medo? Sim, é possível que algumas pessoas se assustem com a própria imagem refletida no espelho. Talvez elas precisem de ajuda.

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