Infância: asas que voam para a imaginação?

“a infância é devir; sem pacto, sem falta, sem fim, sem captura; ela é desequilíbrio, busca; novos territórios; nomadismo; encontro; multiplicidade em processo, diferença, experiência.”
Walter Omar Kohan


Todos fomos crianças um dia e muitos gostariam de voltar a ser. Basta observar as fotos postadas no facebook esta semana: lembranças de infância, memórias de crianças já adultas, perfis com imagens infantis. Se pudéssemos, voltaríamos no tempo?

A imagem idealizada da infância persiste no compartilhamento em redes sociais e na mídia, embora saibamos qual é a realidade das crianças, em diferentes lugares do mundo. É claro que é gostoso lembrar momentos alegres que construíram nossas vidas, propiciando descobertas e trocas afetivas para que nos tornássemos o que somos hoje. Porém, é também óbvio que essas lembranças só estão sendo partilhadas em função do dia da criança, que é uma data de apelo ao consumo. Sem perceber, tudo o que fazemos na internet com nossas postagens faz parte do mundo do consumo, queiramos ou não.

E a infância, é consumo? Se o ser humano transformou-se em artifício que obrigatoriamente deve render lucros, o que resta às crianças? Há alguma outra possibilidade de viver a infância nas cidades, que não seja consumir desesperadamente os aparelhos eletrônicos?

Para criarmos outras infâncias, é possível que precisemos rever nossos conceitos. Walter Kohan, filósofo argentino e pesquisador, nos desafia a criar novas imagens da infância, que considere a experiência de ser criança como uma possibilidade de existência humana, a ser vivida em qualquer idade, independente da ordem cronológica.

“Não nos preocupemos com o que a infância pode ser, mas com o que ela é. Asseveraremos a infância como símbolo da afirmação, figura do novo, espaço de liberdade. A infância será uma metáfora da criação no pensamento; uma imagem de ruptura, de descontinuidade, de quebra do normal e do estabelecido.” Infância – entre Educação e Filosofia. Walter Omar Kohan, Ed. Autêntica, 2003.

Nesta visão, ao contrário do que constatamos diariamente, a infância representaria a novidade, a criatividade, a espontaneidade e a transformação permanente, e seria uma experiência possível para todos, sem importar a idade.

Todos poderíamos nos transformar, criar e aprender a fazer as coisas de formas diferentes. Para isso, no entanto, teríamos que interromper esse processo contínuo e desgastante de reprodução do mesmo, no qual estamos aprisionados. Valores rígidos que não mudam, práticas que se repetem neuroticamente, brinquedos prontos, jogos vazios, palavras mortas.

É fácil notar que em pouquíssimo tempo as crianças percebem que o que ganham é só pra consumir rapidamente, não é para criar, inventar, brincar, perder o controle e voar nas asas da imaginação. Se voassem, seriam mais felizes.

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