A cultura do medo

Um dos teóricos mais conceituados da atualidade é Zygmunt Bauman, sociólogo de grande prestígio e intensa produção intelectual. Livros como Medo líquido, dentre outros ( Modernidade líquida, O mal-estar da pós-modernidade ), investigam os males que atormentam nossa cultura, a ponto de nos tornar reféns de nosso próprio tempo, de nossa própria época.
Como entender o adiamento do retorno às aulas no estado de SP ( e em outros ), com amplo apoio popular ao que parece, visando o controle do vírus da gripe suína?
Para Bauman, a contemporaneidade é regida pelo medo. Vivemos sob o medo, a partir do medo, controlados pelo medo e também alimentados por ele. Apesar de tanta tecnologia, de tantos recursos criados pela humanidade para gerenciar o mundo, sentimos muito medo, somos demasiadamente vulneráveis.
Talvez sejamos ainda mais inseguros do que nossos antepassados, posto que não somos capazes de conviver com a natureza, respeitando-a e aceitando-a. Ao mesmo tempo, fabricamos incessantemente artifícios que imitam as árvores, as plantas, os rios e os animais. Basta observar que dentro de um shopping, hoje, existem pequenas florestas artificiais, voltadas para o lazer das crianças.
Ao nos desconectar do que chamamos natureza, nos desconectamos também das estações do ano, da terra no parque que suja as mãos, das flores que nascem sozinhas no mato, dos olhos que falam uns aos outros.
Na cultura do medo, as pessoas não se olham mais, não falam “bom dia” ou “boa tarde”. Cumprimentar é ameaçador, conhecer o outro pode ser perigoso. Aliás, é esse o paradigma: o outro como uma ameaça constante, um perigo mortal.
Em nome de nossa própria segurança, vamos aprendendo que precisamos nos precaver, nos prevenir, principalmente se o outro carregar a possibilidade de nos transmitir um vírus que ainda não conhecemos. Vale lembrar, também em nossa cultura, do medo e do controle, tudo aquilo que desconhecemos é aterrorizante: quanto menos conhecido, mais apavorante.
É neste “caldo cultural”, neste contexto histórico, que podemos então situar a espetacularização da malfadada gripe suína. Poderia ser outra coisa, ontem foi o terrorismo, amanhã, o que será?
A mídia expõe, apela, repete sem cessar os números e as imagens. Autoridades se manifestam publicamente; nós recebemos informações contraditórias, internalizamos e reagimos conforme o esperado, ou seja, conforme os valores da cultura do medo.
Sem perceber, nos encontramos em pânico, alimentando um sistema que se nutre do próprio produto que cria: o medo.
Vale a pena?

Andrea R. Martins Corrêa

Comentários

  1. Oi Andrea, obrigada pela visita. Gostei muito do seu texto e hj fui surpreendida ao saber que as aulas do meu filho só retornam dia 10, o estranho é que ninguém deixa de ir ao shopping, ao cinema e às festas, mas a escola é a primeira a ser deixada de lado.

    Abraço

    Flávia

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  2. Pois é Flávia, também acho muito estranho...

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  3. Oi, Andrea, gostei muito do artigo, bom para refletir. Obrigado por ter visitado meu blog. Quanto a seu comentário, sabe o que pensei? É muito mais uma questão mercadológica que cinematográfica. Cinema de shopping segue o modelo Hollywood e não é só aqui. Em São Paulo é assim também, há poucos alternativos. Por que? Por que quem continua indo são os jovens. Os quarentões como eu parece que desistiram. Tanto que eu tenho dificuldade em arrumar companhia para ir ao cinema. Independente que sou, na maioria das vezes vou sozinho mesmo. E já me acostumei a dividir as coisas: blockbuster americano eu vejo no cinema, filme menos comercial espero uns três meses para ver em DVD.
    Abraço
    Ronaldo Victoria

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